domingo, maio 10, 2009

Sem título

A propósito das manifestações “alegres” sobre a ‘criminalização’ dos ‘movimentos socais’ (nem todos, afinal a CUT, FIESP e os partidos políticos não reclamam de estarem sendo criminalizados embora por vezes mereçam) creio que importante relembrar o papel, modo e campo para o dissenso numa democracia, aqui tomada em seus caracteres mais formais.
Não deve existir num ambiente democrático nenhuma idéia não criticável, muito ao contrário a possibilidade de criticar e exigir deve ser o mais ampla possível, inclusive pelos meios mais capazes de atingir a atenção e consciência de terceiros (mas não me parece no sentido de ser possível obrigar a alguém da abrir espaço em pauta a ninguém, empresas de mídia têm dono mesmo), mas todo dissenso, enquanto parte de um ambiente democrático e merecedor de respeito, deve ir apenas até a não concretização de qualquer violência, não importa o quanto o dissidente se considere justificado.
O dissidente, normalmente minoritário, busca o convencimento de terceiros de sua opinião e deve ser livre para se associar e exprimir suas manifestações neste sentido, mas quando um ‘movimento social’ muda de método temos um problema, bem não considero que haja realmente alguma dúvida, mas atualmente temos sim problemas. Deve-se analisar até onde as ações de um grupo podem ser consideradas respaldadas pela sua ‘causa’, e aqui devemos realmente buscamos nos colocar na posição do outro [pois temos a tendência de sempre dizer ‘aos amigos(ou aliados) tudo, aos inimigos a lei’] e pensar como regaríamos se eles também resolvessem utilizar de métodos similares. Caso tal ocorresse que faríamos? Diríamos que eles são criminosos ou ‘apenas’ reclamaríamos de sua ‘equivocada’ visão do mundo?
Não posso dizer que muitas das ações dos ‘movimentos sociais’ possam ser respaldadas. Não me parece uma atitude passível de defesa democrática a ocupação de propriedades estatais ou particulares com o impedimento ou não de ações/atividades de terceiros (inda mais que exercício das próprias razões é entre nós crime). Tal modo de ‘expressão’ mais ‘física’, muitas vezes acompanhada de agressões ou de atividades visando calar ou reduzir a capacidade de expressão de um ponto de vista contrário, são de ranço não apenas autoritário, mas também totalitário, mas principalmente antidemocrático, e como tais estão ao além das margens do que uma sociedade que se queria democrática pode, ou melhor deve permitir.
Digo deve permitir, pois creio que se um Estado (democrático e plural e de direito) relaxar em suas obrigações para com sua própria estrutura e consistência, capacidade mesmo de auto-manutenção, ele vai não apenas cortejar um desastre, mas vai falhar para com aqueles que apóiem seus ideais e princípios primeiros os traindo por alguma posição cômoda. Talvez exagere, mas foi por um conjunto de pequenas traições aos pressupostos de um estado democrático de direito que o nazismo chegou ao poder na Alemanha, não creio que o mesmo possa acontecer aqui, mas é demasiado evidente que a permissão para ações com algum grau de violência (ou qualquer alteração unilateral das relações sociais fáticas pelos meios legitimamente autorizados para tal – governo – por mais lentos que sejam) vai gerar nos outros grupos, em especial naqueles que se oponham mais diametralmente as idéias forçadas, a sensação de estarem sendo colocados de lado e não mais representados pelo Estado e portanto uma visão de permissão e necessidade de também saírem dos parâmetros democráticos, algo capaz de desconstruir todo arcabouço de legitimidade de uma sociedade anteriormente organizada.


ps. devo deixar consignado, em tempo, que não creio que a justiça brasileira criminalize ninguém, temos uma tradição de apaziguamento muito forte, e de todo modo, para o judiciário declarar alguém criminalizado o indivíduo, ou grupo, vai ter ou muito pouca sorte ou ser um alvo prioritário e por mais que grupos organizados da sociedade possam reclamar de alguma repressão eles não são alvos prioritários de nossa criminalização; cujos órgãos preferem muito mais indivíduos – o mais anônimos o possível – como alvo.

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